
11
outubro
Uma dúvida no empresariado brasileiro surge sempre que o empregado afastado pelo INSS recebe alta previdenciária, mas é constatada sua inaptidão para o trabalho pelo médico do empregador: quem deve arcar com o pagamento de salários? O empregado deve ser realocado de função? Deve ser encaminhado novamente para o INSS?
Essa zona de incertezas é denominada limbo jurídico previdenciário trabalhista, dividindo-se a doutrina e a jurisprudência em duas correntes.
A primeira dá conta de que o contrato de emprego permanece suspenso enquanto durar os recursos junto à Autarquia previdenciária para reversão do indeferimento, não havendo se falar, assim, em pagamento de salários durante tal período. Neste sentido, tem-se aresto proveniente do TRT da 2ª Região (São Paulo):
“AUXÍLIO-DOENÇA – ALTA DO INSS – EMPREGADA CONSIDERADA INAPTA PELO MÉDICO DA EMPRESA – IMPOSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE PAGAMENTO DE SALÁRIOS AO EMPREGADOR. Não houve recusa injustificada da empresa em reintegrar a obreira ao trabalho. Toda a prova documental produzida demonstra que a reclamada não agiu de má fé e cumpriu todas as suas obrigações, não exigindo da trabalhadora a prestação de serviços, por reputá-la incapaz para o trabalho e fornecendo a documentação necessária para que a reclamante pudesse pleitear seus direitos junto ao INSS (docs. nº 45/68, volume apartado). Não se constata qualquer irregularidade no procedimento patronal. O laudo pericial de fls. 152/161, inclusive, confirmou que a reclamante não está apta ao trabalho, apresentando fibromialgia, lesão crônica da coluna (discopatia degenerativa) e quadro de depressão crônica, todos sem nexo com o trabalho realizado na reclamada. Como bem salientado a quo, não há impedimento legal para que as empresas, diante dos documentos que atestam a inaptidão do obreiro, como o laudo do médico do trabalho, obstem seu retorno ao trabalho enquanto durar o procedimento administrativo de recursos perante a Previdência Social, também não há obrigatoriedade de remunerar mencionado período, já que, esse período em que o empregado permanece afastado pedindo reconsideração do pedido de auxílio-doença deve ser considerado como de suspensão do contrato de trabalho. Outrossim, não há fundamento legal para autorizar o pagamento dos salários pretendidos. Recurso ordinário da reclamante a que se nega provimento” (P. 0001364-07.2013.5.02.0087 – TRT2 – 18ª Turma – Recurso Ordinário – Des. Rel. Maria Cristina Fisch – publ. 02/03/2015).
Pode-se afirmar, contudo, que esse posicionamento é adotado pela minoria dos Tribunais Especializados.
A segunda e mais contundente jurisprudência caminha no sentido de que o empregador deve, durante o período de indefinição, arcar com os salários ou realocar o empregado de função, compatível com suas limitações de saúde. Este entendimento encontra repouso no artigo 476 da CLT, o qual considera suspenso o contrato de emprego somente pelo prazo em que houver o recebimento do benefício previdenciário. Veja-se:
Art. 476 – Em caso de seguro-doença ou auxílio-enfermidade, o empregado é considerado em licença não remunerada, durante o prazo desse benefício.
Os Tribunais pátrios Especializados também sustentam que o empregador, ao submeter seu empregado em situação de desamparo em momento de necessidade (doença), bem como não readaptá-lo a uma função condizente com sua condição pessoal, afronta o princípio da dignidade da pessoa humana prevista no art. 1º, III, da CR/88.
Ademais, conforme previsão contida no art. 4º da CLT, considera-se este específico momento de afastamento como tempo à disposição do empregador, devendo ele, assim, arcar com os salários relativos a tal interregno.
Afirma-se, ainda, que, caso o empregador discorde com a alta previdenciária, deve ele tomar as medidas administrativas e judiciais cabíveis, como, por exemplo, interposição de recurso junto à Previdência Social.
É este o entendimento predominante no TRT da 3ª Região (Minas Gerais) e no TST, conforme se vê dos arestos abaixo transcritos:
LIMBO JURÍDICO TRABALHISTA PREVIDENCIÁRIO. CARACTERIZAÇÃO. No denominado limbo jurídico trabalhista previdenciário: o trabalhador tem o seu contrato de trabalho suspenso, em razão do gozo de auxílio-doença; a Previdência Social confere alta ao trabalhador, considerando-o apto para o trabalho, cessando, por consequência, o pagamento do benefício previdenciário; o trabalhador se apresenta ao empregador para retomar as suas atividades; o serviço médico do empregador considera o trabalhador inapto para o trabalho, o que impede o seu retorno ao trabalho; o trabalhador, que já não está recebendo benefício previdenciário, também não receberá salário. Nesta situação, em especial quando a empresa não aloca o trabalhador em outra função, a ela cabe arcar com os custos da manutenção da relação de emprego. Grifos nossos.
(TRT da 3.ª Região; PJe: 0010125-90.2016.5.03.0023 (RO); Disponibilização: 04/08/2017, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 689; Órgão Julgador: Setima Turma; Redator: Convocado Cleber Lucio de Almeida)
(…) RETORNO DO AUTOR APÓS ALTA PREVIDENCIÁRIA. TRABALHADOR CONSIDERADO INAPTO PELO MÉDICO DA EMPRESA. RECUSA DA EMPRESA EM READAPTAR O AUTOR. PAGAMENTO DOS SALÁRIOS DO PERÍODO DE AFASTAMENTO. LIMBO PREVIDENCIÁRIO. Atenta contra o princípio da dignidade e do direito fundamental ao trabalho, a conduta do empregador que mantém o empregado em eterna indefinição em relação à sua situação jurídica contratual, sem recebimento de benefício previdenciário, por recusa do INSS e impedido de retornar ao trabalho. Não é possível admitir que o empregado deixe de receber os salários quando se encontra em momento de fragilidade em sua saúde, sendo o papel da empresa zelar para que possa ser readaptado no local de trabalho ou mantido em benefício previdenciário. O descaso do empregador não impede que o empregado receba os valores de salários devidos desde a alta previdenciária, já que decorre de sua inércia em recepcionar o trabalhador, o fato de ele ter reiterados pedidos de auxílio previdenciário antes de vir a juízo pretender a reintegração ao trabalho.
Além disso, com a cessação do benefício previdenciário, nos termos do artigo 476 da CLT, o contrato de trabalho voltou a gerar os seus efeitos, cabendo à empresa viabilizar o retorno do autor a uma atividade condizente com a sua nova realidade física, de acordo com o que dispõe o artigo 89 da Lei 8.213/91, através de sua readaptação. Dentro desse contexto, correta a decisão regional que determinou o pagamento dos salários do período em que foi obstado o seu retorno ao trabalho e sua readaptação. Precedentes. Recurso de revista não conhecido. (…) Grifos nossos.
(Processo: RR – 134300-24.2010.5.17.0009 Data de Julgamento: 13/09/2017, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 15/09/2017).
Não se pode deixar de mencionar, ainda, que a falta de pagamento dos salários durante o período do denominado “limbo jurídico previdenciário trabalhista” pode ensejar ao empregado dano moral, pelo que será devida, em caso de condenação, o pagamento da respectiva indenização pelo empregador.
De forma a se adequar à tendência dos Tribunais Especializados, é importante que o empregador, ao receber o atestado de inaptidão para exercício de suas atividades, interponha o competente recurso junto ao INSS, bem como, acaso possível, readapte o trabalhador a uma função compatível com seu estado de saúde, a ser sugerida pelo médico do trabalho.
Dessa forma, serão minimizados os riscos para a empresa de ter que arcar com eventual indenização por danos morais, bem como oportunizada ao empregado a possibilidade de readaptação em nova função e consequente percepção de salários.
Por Amanda Graziela Ramos.