
30
março
O informativo número 0597 do Superior Tribunal de Justiça, publicado no dia 15.03.2017, destacou a tese jurisprudencial firmada no julgamento do Resp 1552913/RJ, de Relatoria da Min. Maria Isabel Galotti, acerca da competência da jurisdição brasileira para, em ação de partilha, dispor sobre bens situados fora do país. No caso, a dissolução do casamento foi decretada no Brasil e o único bem a ser partilhado era a quantia de U$ 208.357,00 depositados em instituição financeira nos Estados Unidos da América.
Na primeira instância foi reconhecido o direito de crédito da ex-cônjuge à metade dos valores. A sentença foi reformada por acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que se declarou incompetente para processar partilha de dinheiro depositado em conta de banco no exterior sob o argumento de que o art. 89, II do CPC/73[1] não distingue o motivo causa mortis ou extinção do vínculo matrimonial ao estabelecer a exclusividade da jurisdição brasileira para processar e julgar o inventário e a partilha de bens aqui situados.
Ao analisar o caso, a Ministra Relatora citou precedentes daquela corte que acolhem a tese do Recurso Especial de que a competência exclusiva do art. 89, II aplica-se somente aos casos de partilha em inventário causa mortis. Também fez referência a julgados em que o STF que, na mesma linha de entendimento, homologou sentenças estrangeiras de partilha após dissolução do matrimônio que dispunham sobre bens situados no Brasil.
Entretanto, ressaltou que a distinção não tem mais relevância na lógica processual brasileira atual, uma vez que o Novo CPC encerrou a controvérsia ao prever, em seu art. 23, III do Novo CPC[2], a competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira para proceder à partilha de bens situados no Brasil em divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável, ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional.
Afirmou ainda que a regra, de natureza processual, não pode ser interpretada de forma a comprometer a realização das regras de direito material disciplinadoras do regime de bens do casamento e esclareceu que o cerne da questão, reside no fundamento da regra de exclusividade, baseada no foro de situação da coisa (forum rei sitae), que é a eficácia prática da sentença de partilha de bens, posto que a regra visa resguardar a soberania nos territórios nacionais.
Nessa ordem de ideias, a Ministra concluiu pela possibilidade de o Juiz brasileiro, para fins de compensação e com vistas a preservar o direito material acerca do regime de bens do casamento, leve em consideração a eventual divisão de bens feita no exterior e o os valores desses bens que se encontram fora do território nacional. Nas suas palavras:
“Ainda que o princípio da soberania impeça qualquer ingerência do Poder Judiciário Brasileiro na efetivação de direitos relativos a bens localizados no exterior, nada impede que, em processo de dissolução de casamento em curso no País, se disponha sobre direitos patrimoniais decorrentes do regime de bens da sociedade conjugal aqui estabelecida, ainda que a decisão tenha reflexos sobre bens situados no exterior para efeitos da referida partilha. Caberá à parte, assim entendendo, promover a efetivação de seu direito material aqui reconhecido mediante os trâmites adequados conforme o direito internacional.”
Por fim, a Relatora esclareceu que, em casos como esse, em que se pretende a partilha de dinheiro, bem fungível e consumível, a procedência do pedido de partilha implica reconhecimento de um direito de crédito a um dos ex-cônjuges. Tal direito deverá ser executado no Brasil ou no exterior, dentro das possibilidades patrimoniais do devedor e com fundamento nas leis do país em que se opte por executar a sentença. Logo, é irrelevante, para fins da divisão do patrimônio e equalização da meação de cada uma das partes, o fato de estar o dinheiro depositado em conta no exterior.
Referência: Resp 1552913/RJ
Por Ana Maria Couto Gontijo
[1] Art. 89. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:
II – proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional.
[2] Art. 23. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:
III – em divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável, proceder à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional.