• 13

    outubro

  • O futuro da Lei Geral de Proteção de Dados: entre a efetividade e a abstração

     

    A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), como já apresentado em artigos anteriores (confira aqui), é um ato normativo de grande expressão, que irá reger um mercado já muito explorado e cujos limites éticos e jurídicos são um campo em construção. Vale dizer, a economia que gira em torno da coleta, tratamento e monetização de dados pessoais. Resta saber, portanto, se o aparato legal existente será adequado para prevenir indevidas práticas quanto aos dados dos usuários.

    A preocupação com o manejo de dados pessoais de terceiros é cada vez mais relevante no mercado nacional e internacional, face à ampla difusão do oferecimento de e-services e da possibilidade de tratamento de grande volume de dados (big data). No cenário mundial, destacam-se as disposições da General Data Protection Regulation (GDPR) lei editada pela União Europeia e em vigor desde 2018. Além de estabelecer sanções e a aplicação de vultosas multas, a GDPR é expressa quanto ao dever de as pessoas jurídicas protegerem as informações a que têm acesso. Devem, portanto, garantir a segurança dos dados de seus colaboradores, parceiros e clientes, adotando postura preventiva.

    No Brasil, com o intuito de colocar em prática o novo sistema nacional de proteção de dados, a LGPD estabelece a criação de um órgão: a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), vinculada à Presidência da República. A ANPD possui papel ímpar na aplicação e efetividade da LGPD, uma vez que é a encarregada da implementação e fiscalização das novas regras, bem como da aplicação de sanções e edição de normas regulamentares e procedimentais.

    Em agosto de 2020, foi publicado o Decreto nº 10.470/2020, que deu os passos iniciais para a criação da ANPD. O referido regramento, basicamente, criou as bases para a construção da estrutura funcional e de pessoal da autoridade de dados. Conquanto traga balizas essenciais, a norma não alcança a materialidade e a efetividade esperadas para a LGPD, especialmente quando considerado que a lei, se não pela pandemia do novo coronavírus, já estaria plenamente em vigor.

    Pelo regramento publicado, para que a ANPD inicie suas atividades, faz-se necessário que o Ministro da Casa Civil indique cinco membros para seu Conselho Diretor. Em seguida, deverá haver a nomeação pelo Presidência da República, que dependerá de sabatina pelo Senado Federal, para aprovação. Mesmo após todo o processo, ainda ocorrerá a organização interna da ANPD, com a construção e treinamento de seus servidores.

    Veja-se, portanto, que a criação da autoridade caminha em passos lentos, situação que possui o potencial de atrasar, consideravelmente, a efetividade ou concretude da LGPD. Muito além de impedir que a lei surta os efeitos pretendidos em seu plano fático, a ausência de uma autoridade efetiva atrai para os particulares, gerenciadores de dados, enorme insegurança jurídica, potencializando a judicialização de conflitos ante um cenário de incertezas. Isso porque, a lei geral é guarnecida de diversas prevenções consideravelmente abstratas, razão pela qual de carece de regulamentação específica e técnica, para que o mercado possa fazer as adaptações necessárias.  

    A ausência de diretrizes sólidas por parte do Poder Público, no entanto, não pode significar a inércia dos particulares em face da nova legislação. Nesse sentido, o desenvolvimento de programas de integridade, correlatos à matéria, é fundamental para que as pessoas jurídicas possam se adequar às novas normas, afastando eventual possibilidade de responsabilização. A adoção de práticas próprias de compliance, por exemplo, deverá abarcar a coleta, o tratamento e armazenagem e a eliminação de dados sensíveis, antevendo e gerenciando riscos.

    A implementação de programas desse estilo perpassa, inicialmente, por um aprofundado estudo das novas normas. Envolve ademais, o mapeamento dos tipos de dados pessoais gerenciados, à luz dos processos adotados na empresa. A identificação dos riscos a que o empreendimento está exposto, permite o correto diagnóstico e a indicação de eventuais mudanças a serem adotadas.

    A ANPD será de grande importância no processo de aplicação e interpretação da LGPD. Seu atual estado e o horizonte próximo escancaram a necessidade de que as empresas estejam sempre acompanhadas de uma assessoria profissional capacitada. Apenas com um trabalho conjunto do empreendedor e de seu time jurídico e de tecnologia da informação, será possível garantir segurança na operação de dados.

     

    Ana Clara de Oliveira Teixeira


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *