
19
setembro
O Supremo Tribunal Federal fixou a tese de que é lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, fim ou meio, não se configurando relação de emprego entre contratante e empregado da contratada, em agosto de 2018. Na mesma data, o STF decidiu, em sede de recurso com repercussão geral, pela licitude da terceirização ou qualquer outra forma da divisão de trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.
Os referidos julgamentos representaram uma reviravolta na jurisprudência trabalhista, uma vez que, antes, a regra era a impossibilidade da terceirização da atividade-fim, por força da Súmula nº 331 do TST, que perdeu seu efeito desde então.
Há uma confusão de conceitos jurídicos presente na maioria desses julgamentos. A transferência da responsabilidade do exercício de uma determinada atividade para outra empresa é plenamente possível, desde que cumpridos os requisitos legais. A Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes Trabalhistas nas Relações de Trabalho do MPT (CONAFRET) dispõe que a validade da prestação de serviços a terceiros está condicionada aos seguintes requisitos: efetiva transferência da execução de atividades, execução autônoma da atividade pela empresa prestadora e capacidade econômica da empresa prestadora compatível com a execução do contrato.
O Decreto 10.854/21 permite à fiscalização do trabalho o reconhecimento do vínculo de emprego entre o trabalhador e o tomador pelos critérios dos artigos 2º e 3º da CLT, de modo que a subordinação jurídica no caso concreto é caracterizada pela submissão direta, habitual e reiterada do trabalhador aos poderes diretivo, regulamentar e disciplinar da empresa contratante.
A maioria dos casos concretos em que a Justiça do Trabalho entende pela fraude na prestação de serviços se enquadram no conceito de pejotização. A pejotização consiste em obrigar o trabalhador a se tornar pessoa jurídica com a finalidade de desconstituir a relação de emprego, mascarando-a como uma relação contratual de natureza civil. Todavia, estando presentes os elementos fáticos-jurídicos, a jurisprudência do TST entende pela fraude à relação empregatícia. Independentemente do nome dado ao ajuste entre as empresas, seja na modalidade de contrato de prestação de serviços ou de representação comercial, a contratação irregular de trabalhador fica caracterizada pelos tribunais do trabalho quando existentes os elementos característicos da relação de emprego.
O ministro Cristiano Zanin adotou este entendimento em decisão monocrática proferida na Reclamação Constitucional nº 61.438[1], na qual houve alegação de descumprimento da tese firmada pelo Supremo acerca da licitude da terceirização. O ministro fundamentou que a reclamação não deveria ser conhecida, por falta de aderência do caso concreto aos precedentes vinculantes do STF que tratam do tema da terceirização. A controvérsia não se fixou, especificamente, na validade de eventual terceirização de mão de obra. Houve a mera configuração dos elementos fático-jurídicos necessários à formação do vínculo empregatício no caso concreto objeto da Reclamação Constitucional, em conformidade com o art. 3° da CLT.
A confusão entre a pejotização e a terceirização pode induzir as empresas a erro. Há riscos diante da ilusão de que a licitude da terceirização de atividades acoberta a pejotização, na qual há serviço prestado por uma pessoa física, trabalho pessoal, mediante empresa interposta, com subordinação, onerosidade e de maneira não eventual.
A elaboração de um contrato de prestação de serviços entre pessoas jurídicas deve ser realizada com a devida cautela, visando evitar eventuais condenações na Justiça do Trabalho. Todos os aspectos jurídicos relevantes devem ser amplamente analisados, cerceando qualquer possibilidade de interpretação diversa daquelas permitidas em lei.
Caso a prestadora de serviços consiga comprovar judicialmente que não poderia se fazer substituir sem anuência da empresa, era subordinada aos comandos e regras de líder direto, atendia necessidade permanente e prestava serviços não eventuais, a tendência será pelo julgamento procedente dos pedidos de reconhecimento de vínculo empregatício na Justiça do Trabalho, com pagamento de verbas rescisórias e seus consectários.
Nesse momento de decisões divergentes e nítida insegurança jurídica, faz-se mister a adoção da “due diligence” com amparo da assessoria jurídica, não apenas em relação à própria sociedade, mas também em relação à adequação das empresas contratadas, com foco nos requisitos de validade da prestação de serviços terceirizados.
Carolina Ramos Viana Álvares da Silva
[1] STF – Rcl: 61.438 RS, Relator: CRISTIANO ZANIN, Data de Julgamento: 21/08/2023, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 22/08/2023 PUBLIC 23/08/2023