
01
setembro
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) foi proposta em 2018 com o objetivo de assegurar o direito à privacidade e à proteção de dados pessoais de usuários que tenham informações coletadas, tratadas e disponibilizadas no território nacional, e em alguns casos, em solo estrangeiro. Aspectos específicos da nova legislação foram tratados em artigos anteriores, que podem ser visualizados aqui.
Além de ser extremamente importante para os indivíduos no geral, uma vez que o texto regulamenta a coleta de dados sensíveis, pessoais e anônimos dos internautas, a promulgação da LGPD impacta fortemente o cotidiano das empresas. As relações comerciais e de consumo que se estruturam a partir da análise da apuração do perfil do cliente, passam a ser submetidas à nova regulamentação. A infração aos dispositivos legais nela previstos pode ocasionar penalidades administrativas, bem como a responsabilização de todo agente cujas operações perpassem o tratamento de dados de terceiros.
Apesar de a LGPD ter sido publicada e sancionada em 14 de agosto de 2018, apenas alguns artigos da lei já estavam vigentes. A chamada vacatio legis, isto é, o período para a adaptação das entidades públicas e privadas aos novos regramentos, deveria durar até 14 de agosto de 2020.
Como primeira exceção a essa regra, já se tinham os trechos do diploma que tratam da aplicação de sanções administrativas aos infratores. Isso porque, a Lei nº 14.010/2020, que cuida de regras jurídicas excepcionais para o período da pandemia do novo coronavírus, adiou a possibilidade de incidência das penalidades para 1º de agosto de 2021.
Atendendo a uma demanda do mercado e da sociedade civil, foi editada a Medida Provisória nº 959/2020, em abril de 2020, pelo Presidente Jair Bolsonaro. Essa medida estendeu a vacatio legis dos demais trechos LGPD para até 3 de maio de 2021. Na última terça-feira (25 de agosto), a MP foi aprovada pela Câmara dos Deputados, para que virasse lei e, efetivamente, tornasse o adiamento definitivo. O texto seguiu para votação no Senado Federal, onde, surpreendentemente, o artigo que tratava do adiamento da LGPD acabou removido.
A alteração abrupta do texto causou confusão entre o empresariado, uma vez que a retirada da menção ao adiamento levou alguns a questionarem se ela entraria em vigor imediatamente, dado que seu texto original, conforme mencionado acima, previa a data de 14 de agosto de 2020, como marco inicial de sua vigência.
Em realidade, a suspensão da vigência se mantém até que o documento seja sancionado ou vetado pelo Presidente da República. Este, por sua vez, tem 15 dias para se manifestar sobre o texto. Se aprovado, a MP perde a validade e passa a vigorar o previsto na redação original da Lei. Na hipótese de extrapolação do prazo sem qualquer manifestação, considera-se o projeto sancionado tacitamente, significando que, a LGPD vigorará a partir de, no máximo, 11 de setembro de 2020.
Se o Presidente vetar as alterações, a questão retorna ao Congresso Nacional, que pode rejeitar ou manter os vetos. Nesse cenário, a vigência da LGPD poderia continuar suspensa até meados de outubro de 2020, quando a Câmara e o Senado debateriam novamente a questão.
Ainda, novas determinações quanto à LGPD vieram à tona nesta já confusa semana. O Presidente Bolsonaro editou um decreto que regulamenta a Autoridade Nacional e Proteção de Dados (ANPD). O órgão, vinculado à Presidência da República, será o responsável pela garantia da devida aplicação e cumprimento dos artigos previstos na lei protetiva de dados.
O desenho do órgão, contudo, tem sido alvos de diversas críticas. Primeiramente, questiona-se a real autonomia da instituição, uma vez que não foi constituída na forma de uma agência reguladora, mas subordinada diretamente ao Presidente. Em segundo, alguns juristas apontam que a ANPD possuirá muitos poderes na criação de normas, de modo a invadir a competência Não suficiente, a autoridade funcionaria sem receita própria, até que começasse a aplicação de multas às empresas que infrinjam a LGPD, o que poderia induzir um comportamento “arrecadatório” de seus agentes.
Apesar do exposto, é certo que a ANPD é crucial à aplicação da LGPD. Isso porque, na maior parte de suas disposições, a lei é marcadamente genérica e abstrata, trazendo muitos princípios e balizas gerais. Existe, portanto, uma lacuna que deve ser preenchida por um órgão técnico regulador, que determine os regramentos específicos a orientar as práticas que devem ser aplicadas pelo mercado. Muito do que tem sido feito no Brasil, em termos de adaptações empresariais, teve que ser modelado com base na experiência de outros países, onde a temática alcançou um nível mais robusto de maturidade regulatória e institucional. Ainda, é a própria Autoridade que aplicará sanções e julgará casos controvertidos, o que apenas reforça seu papel essencial na concretização da LGPD.
Nesse passo, tem-se que a publicação do decreto presidencial regulou a estrutura regimental e organizacional da organização, assim como suas competências e quadro de pessoal. Com efeito, vários avanços na compreensão de como a entidade irá funcionar. A ANPD apenas funcionará após a publicação do nome do diretor-presidente no Diário Oficial da União, e não há ainda uma previsão de quando isso ocorrerá.
Frente a tantas turbulências no trâmite da lei e às inconsistências e dúvidas quanto ao início de sua vigência, é recomendável a busca pelo acompanhamento jurídico na implementação ou no aperfeiçoamento de processos que atendam às exigências da LGPD. Certamente, o tema deve ser parte dos programas de conformidade das empresas, merecendo atenção perene dos gestores.
Mariana Capanema